3.1.06

Odete, filme com gays que não é filme gay


João Pedro Rodrigues diz que demorou 6 meses a fazer o casting para Odete. No filme percebe-se porquê. Àparte o problema dos joanetes salientes, o actor que faz de Rui passa com distinção em todos os outros critérios do realizador: bons peitorais, bons bíceps, tríceps e quadríceps, grande dorsal, abdominais perfeitos, flexores posteriores da coxa, deltóides, rombóides, lombares e, sobretudo, excelentes glúteos. Nem quero imaginar como foi feito o casting ao longo desses 6 meses, mas imagino que tenha sido uma actividade esgotante mas muito compensadora.

JPR trata cinematograficamente este boneco com a pureza plástica que já lhe tínhamos admirado em O Fantasma: em cada plano salienta um grupo muscular. Mesmo quando está à beira do suicídio, o boneco é filmado com os inevitáveis comprimidos e copo de whisky na mão (ah e uma guitarra ao lado!), mas de cuecas em cima da cama e com a câmara a fazer um travelling at the crotch level para nos mostrar como a consternação do personagem não o debilitou fisicamente. Quanto aos restantes personagens masculinos do filme, variam entre o género beto (o do namorado do boneco, Pedro, que graças a Deus morre logo no início) ao género bear/rough de cabeça rapada (o amigo do boneco, que áparece para lhe dar uns conselhos e também cumpre portanto o papel de daddy para alguns de nós), passando pelo género chulo (o segurança de supermercado, que namora Odete), garantindo-se assim a cobertura de basicamente toda a potencial clientela gay do filme. Quanto à rapariga que faz de Odete, que segundo me dizem é modelo internacional, não se pode dizer que seja muito bem tratada plasticamente: na única cena em que se despe, o realizador faz um grande plano da celulite que tem no rabo, deixando-nos (e provavelmente à própria modelo, digo, actriz) quase em estado de choque.

O enredo? É mais ou menos assim: Pedro morre porque o boneco lhe telefona enquanto está a guiar e ele tem um acidente (nunca atender o telefone quando estamos a guiar!); ou, se não foi por isso, porque o boneco quando vai acudi-lo lhe parte o pescoço ao virá-lo ao contrário para lhe dar um french kiss de despedida(Pedro não é Regan do Exorcista!). O boneco fica cheio de remorsos, perde a vontade de viver e encaminha-se para um suicídio recheadinho de lugares-comuns como há muito não se via na longa história de suicídios em cinema. Apanha no meio com Odete, que trabalha como patinadora num hipermercado, uma rapariga desequilibrada e necrófila que tem uma doença muito rara que consiste em convencer-se que está grávida mas não está. Receita para este argumento: calcule-se o mínimo denominador comum de Romeu e Julieta, Amor de Perdição, Bruscamente no Verão Passado, Juncos Silvestres, Presque Rien, Garçon Stupide, Maurice, Happy Together, Another Country e cruze-se com o mínimo denominador comum de Persona, Carrie, Misery, Single White Female e Audition. O resultado é zero.
Odete foi premiado nos festivais de Cannes, Bogotá e Belfort, foi ovacionado durante 10 minutos na sua estreia na Cinemateca e é aclamado unanimemente pela crítica nacional.
Reconheço que o Fantasma era de facto um excelente filme e eu é que sou um invejoso do JPR por ele ser giro e ter feito um casting de se he tirar o chapéu.

14 comentários:

remiguel disse...

HABEMUS CRITICAM!

"Receita para este argumento: calcule-se o mínimo denominador comum de Romeu e Julieta, Amor de Perdição, Bruscamente no Verão Passado, Juncos Silvestres, Presque Rien, Garçon Stupide, Maurice, Happy Together, Another Country e cruze-se com o mínimo denominador comum de Persona, Carrie, Misery, Single White Female e Audition. O resultado é zero."

wowwww!

(Masoquisticamente, fiquei com uma glútea vontade de ir ver o filme.)

carlopod disse...

bolas, temos leitores o dia todo em frente ao computador a fazer stalking ao blog. esta gente não tem mais que fazer?

remiguel disse...

obviamente que não. ou era isto ou ir ver o preço certo em euros.

carlopod disse...

hm... acho que vou tomar isto como um elogio.

Anónimo disse...

que orgulho... bela crítica. só acho que esqueceste aquilo que talvez possam ser as maiores referências cinematográficas do realizador lingrinhas: chi chi la rue. há demasiadas referências a esta aclamadíssima realizadora, que injustamente nunca passou na cinemateca, nomeadamente a títulos como Addiction (Part I e II), Ace in the Hole, Aim to Please, Bad Behavior, How the West was Hung e, muito particularmente, o Try me on for size. Neste último, há um travelling que é a estetização máxima do despojamento e do abandono, em que a personagem entra com um silencioso conflito dentro de si. Coisas que aposto que o JPR deva ter exercitado imenso com o "boneco" durante o casting.

Anónimo disse...

Eu diria que foi um casting de se lhe tirar a cueca!

PS. Lamentavelmente ainda não tive a aclamada experiência de ver a Odete.

Anónimo disse...

vocês são todos tão intelectuais. mas passa pela cabeça de alguém ir ver um filme que ostenta no título um nome tão sub-urbano "odete"? por este caminho, começamos a ter de enfrentar títulos cinematográficos como "Kátia Vanessa", "Romana Catarina" ou mesmo outro qualquer. quanto à crítica, ó carlopod, arrasa tanto a coisa que ficamos com vontade de ver...seja por masoquismo ou simplesmente porque não queremos ficar atrás de ti. Não falo literalmente, claro...bem...adiante

remiguel disse...

eu por mim adoraria ver um filme chamado Ruth Marlene ou Ágata ou Romana, ou Ágata Romana. Bem, na verdade, gostaria mesmo era de ver um chamado De Mulher Para Mulher* com a Ágata e a Romana!

- Projecto DMPM*

- Guião: MDM entre A Visita, Vila Faia, Citizen Kane, Requiem for a Dream, 8 Mulheres, 400 golpes, Pepi Luci Bon y otras chicas del montón, A Vila, American Beauty, Fame, West Side Story, Shortcuts, Satyricon, Terminator, Party+Os Canibais, Stromboli, Pierrot le Fou, Johny Guitar, Rebecca+Vertigo TUDO CRUZADO NECESSARIAMENTE com Esquece Tudo o Que eu Te Disse, A Fuga das Galinhas, Hitchy The Killer e levado ao forno num molho de Beaches (bette middler modern classic, para os incultos)

carlopod disse...

oh, esqueci-me de referir no texto a frase que dá o mote ao filme: «O amor é mais forte que a morte».
mmmmmmmmmmmmMMMMMMMMMMMUUAAAAAAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA HA HA HA HA HA HA!!!!!

Anónimo disse...

Já estou a ver esses grandes clássicos do futuro: "As Lágrimas Amargas de Ágata!" ou " A Educação de Kátia Vanessa" ou " Maya e os Espiritos" ou " O Último Ano de Romana" ou "Recordações da Casa Claudia Isabel" ou ainda "O Joelho da Rute Marlene".

carlopod disse...

e vocês faziam papel de quê?

Anónimo disse...

dentro do género recordações lá de casa, eu gostaria muito do "recordações da vivenda mariani"

Anónimo disse...

o allabout, como já pudeste verificar, faz muito bem de si próprio :)

Anónimo disse...

é por isto que o cinema português é o que é. é com orgulho que digo que nunca vi um filme português porque são todos maus.
Podemos ser um grande país de poetas como o jorge luis borges ou o antónio machado, mas hoje em dia um país que não produz bom cinema não tem cultura nenhuma!
Só espero que o cavaco ganhe as legislativas para finalmente podermos fazer filmes.