12.5.06

Carrilho in my heart



Manuel Maria Carrilho passou os últimos seis meses trancado em casa a escrever a sua obra-prima "Sob o Signo da Verdade", que lançou hoje. Seria talvez de esperar que os seis meses de prosa a destilar ódio contra todos os que com ele alguma vez conviveram, tivessem sido suficientes para lhe dar alguma tranquilidade. Mas não: na apresentação do livro, Carrilho ainda espumava fel. Só faltou insultar a malta por não ter votado nele.

Tudo o que eu pudesse agora dizer de Carrilho, já foi há muito tempo, em 1999, descoberto por António Barreto, num artigo a propósito da demissão de Santos Silva da Porto-Capital da Cultura, que eu nunca esqueci e que tive a felicidade de agora reencontrar na net:

Um Homem Sem Qualidades
Manuel Carrilho, pseudónimo, no Portugal dos anos 90, de ministro da Cultura, é um dos homens mais felizes do país. Viu-se livre de um homem sério, geralmente respeitado, independente, bom profissional e competente: tudo qualidades que o ministro detesta nos outros, mas sobretudo abomina em si próprio. Obteve, após meses de velhacarias, a demissão de Artur Santos Silva. Vai fazer, a partir de agora, o que melhor sabe: comprar. Comprar fiéis, idólatras e servos. Tarefeiros e consciências. Criaturas que o sigam e amem. Gente que, para si, escreva, declame e dance. Câmaras e freguesias. Funcionários e dependentes. Vai comprar o que pode, a fim de tentar fazer, pelo menos, tão mau quanto Lisboa-94. Com um objectivo permanente, uma coerência: aparecer, ser fotografado, inaugurar, dar entrevistas, discursar. Ser visto com "top models" e intelectuais dos "boulevards". É esse o seu programa. Sem densidade política, mas grosso de pensamento, sem modos nem educação, mas atento ao vestuário, este ministro da Cultura sofre de vaidade para além do que clinicamente se conhece.
Carrilho, traiu e desautorizou Guterres. Sonso, venceu o primeiro ministro. Nunca quis Santos Silva na capital da cultura. Nunca quis nada que viesse dele e dos seus colaboradores. Não que tivesse concepções diferentes, coisa de que parece carecer. Mas não suportava a ideia de que a cidade do Porto não se organizasse exclusivamente para sua glória, sua, dele, ministro rasca de governo débil. Por boas ou más razões, Guterres tinha escolhido Santos Silva. À volta deste, tinha-se criado entusiasmo e simpatia. Desde o primeiro dia, o "dandy" da Kultura, com o seu sotaque parisiense suburbano, tinha-se esmerado a fazer a vida negra ao banqueiro que, horror dos horrores, nada pretendia do governo. Fez quanto pôde para atrasar o início dos trabalhos e emperrar a organização. Sabotou, nomeou criaturas suas, tentou controlar, obrigou a cerimónias para se fazer fotografar bem vestido no quartier, desviou dinheiros para o seu orçamento, mandou bobos esganiçados prestar declarações, faltou a compromissos, não cumpriu a palavra dada e não respeitou contratos que assinou. Fez o possível por contrariar a ideia de que uma capital da cultura poderia ser coisa diferente de uma série de manifestações para titilação da burguesia endinheirada. Em menos de um ano, vingou-se do primeiro ministro: liquidou-lhe as escolhas, derrotou a sua orientação. E o primeiro ministro, cada vez mais desinteressado, já sem vocação para obras ou problemas e com uma crescente insensibilidade ao conceito mesmo de serviço público, deixou-se ir na ratoeira que lhe preparou este pavão de província.

2 comentários:

remiguel disse...

Ah, lembrava-me bem deste (prometedoramente cinematográfico) título Um Homem Sem Qualidades. O texto devia ser estudado nas escolas. O homem esta mesmo eçado!

carlopod disse...

tens razão. ao nosso carrilho bem podíamos conferir o título de conde d'abranhos.