15.11.05

Persiana para janela de Maluda

(I)

Esta janela já não tem enredos
ninguém por ela espreita, ninguém espera
vê-la semicerrar, semiabrir
o olhoblíquo verde do ciúme;

nem por ela passarão as trajectórias
do suicida e do escalador.
Romeu morreu e a doce expectação
de Julieta é comprimido sono.

Sequer uns braços nus de janeleira,
hasteada brancura, nela podem
demorar o gozo dum voyeur,
que esta janela já não serve para...

Esta janela é uma finta, é uma jogada
no xadrez de quem a pinta e assina.

(II)

Se transcorridos que forem muitos séculos,
uma janela destas ainda se encontrar
e, por detrás do vidro o açaimoxigénio
duma criança (punhamos loura) se entrevir,

é que alguém (em que centúria?) entrou no quadro
à revelia dos lances do esquema
inicial. Vindouro não remontes
o tempo, que o quadro é o que vês.

Se o que devora até os mármores mais grossos
a criança lá pôs, contrariando
a usura, que é o seu procedimento e etiqueta,
caberá, ó vindouro, falar de uma autoria?

A cada um seus lances; ao tempo os seus.
Maluda jogou por procuração.

(Alexandre O'Neill)

A autora da janela faria hoje 71 anos.

2 comentários:

Anónimo disse...

eu, pássaro das suas janelas, ergo o meu cálice.

carlopod disse...

:-)